Sancionada, com veto, a Lei Complementar que regulamenta a transferência de créditos do ICMS na remessa de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa
Foi publicada hoje (29/12/2023) a Lei Complementar nº 204/2023, decorrente do PLP 116/23, que altera a Lei Complementar 87/96 e regulamenta a transferência de créditos de ICMS na remessa de mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade. A referida lei foi editada em cumprimento à determinação do STF no julgamento da ADC nº 49, que julgou inconstitucional a incidência do ICMS nas referidas transferências e assegurou a manutenção dos créditos relativos às operações anteriores, além de determinar que os Estados regulamentassem a forma como se daria a transferência desses créditos para o estabelecimento destinatário.
Ocorre que o Presidente vetou a previsão da LC 204/23 que alterava o parágrafo 5º do artigo 12 da LC 87/96, que autorizava, por opção dos contribuintes, que essa hipótese de transferência de mercadorias fosse equiparada a uma operação sujeita à incidência do ICMS. A justificativa do veto foi a de que o §5º supostamente contrariaria o “interesse público, ao trazer insegurança jurídica, tornar mais difícil a fiscalização tributária e elevar a probabilidade de ocorrência de elisão fiscal ou, até mesmo, de evasão”.
Nesse sentido, foi sancionada apenas a alteração do inciso I do art. 12 da LC/87, que passa a prever que o fato gerador do ICMS ocorre na saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte (supressão da previsão “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”) e a inclusão do §4º ao dispositivo, segundo o qual a saída de mercadoria de estabelecimento para outro de mesma titularidade não constitui fato gerador do ICMS e que fica assegurada a manutenção do crédito das operações anteriores, inclusive nas transferências interestaduais, da seguinte forma (i) pela unidade federada de destino, por meio de transferência de crédito, limitados às alíquotas interestaduais aplicáveis sobre o valor atribuído à operação de transferência realizada; e (ii) pela unidade federada de origem, em caso de diferença positiva entre os créditos pertinentes às operações e prestações anteriores e o transferido na forma do inciso I deste parágrafo. A referida Lei Complementar não indica o parâmetro para o cálculo dos valores a serem transferidos.
Em paralelo à tramitação do PLP que deu origem à promulgação da Lei Complementar nº 204/23, o CONFAZ editou, em dezembro de 2023, o Convênio ICMS nº 178/23, que previu como obrigatória a transferência dos créditos nas remessas de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular e estabeleceu forma de cálculo para a transferência, que se aproxima da própria tributação dessas operações, nos moldes anteriores ao julgamento da ADC 49. Essa aparente incompatibilidade entre as disposições da Lei Complementar 87/96, que trata tão somente da transferência dos créditos das operações anteriores, com o restabelecimento prático da tributação das transferências de mercadorias pelo Convênio ICMS nº 178/23, tende a ser questionada judicialmente.
Ainda, espera-se que os Estados editem normas sobre a matéria, especialmente sobre as operações internas, as quais não foram expressamente endereçada pelo Convênio CONFAZ ICMS nº 178/23.
A nosso ver, o veto presidencial ao §5º, no último dia útil do ano, na verdade contribui para o aumento da insegurança jurídica, pois a vigência do Convênio ICMS nº 178/23 já se inicia em janeiro de 2024, o qual, entendemos, poderia ter a sua constitucionalidade resguardada se interpretado como uma regulamentação de um regime de tributação facultativa do ICMS, ora inviabilizado pelo veto do referido §5º. Assim, além da sua possível inconstitucionalidade por restabelecer na prática a tributação das transferências de mercadorias em violação à decisão da ADC 49, a constitucionalidade do Convênio ainda poderá ser debatida sob o enfoque da sua pretensão de regulamentar matérias de competência de Lei Complementar e de tornar obrigatória a transferência de créditos que o STF indicou como optativa.
Acompanharemos a evolução do tema e os desdobramentos do veto, que ainda pode ser rejeitado pelo Congresso Nacional, assim como a regulamentação da matéria pelos Estados.